terça-feira, 13 de março de 2012

Os templários em Almourol

Templários e a sua metamorfose portuguesa: a Ordem de Cristo

Por José Eduardo Franco, investigador

O ano de 2012 é profícuo em comemorações à semelhança do que vai acontecer ao longo de toda esta segunda década do século XXI.  Aproveitar as datas redondas, que assinalam a memória de grandes acontecimentos, pode constituir um grande serviço à cultura e à sociedade.

O reforço da coesão identitária de uma sociedade passa também muito pelo cultivo da memória histórica. Como já afirmei em outros escritos, entendo que a história é para a sociedade o que a faculdade da memória representa para o homem individualmente considerado. Como sabemos, quando uma pessoa perde a memória desorienta-se, pois perde o sentido do presente e torna-se incapaz de perspetivar o futuro. Assim também, quando uma sociedade perde a sua memória histórica tem mais dificuldade em compreender as dinâmicas do presente e fragiliza a sua capacidade de enfrentar com lucidez os desafios do futuro.

Neste ano assinala-se a passagem de 700 anos sobre uma data relevante do processo de extinção da célebre Ordem dos Templários ou da Ordem do Templo, cuja natureza e ação tem motivado a produção de um mar imenso de literatura de ficção e de cinema. Este interesse tem contribuído mais para mitificar os Templários do que para esclarecer, de forma distanciada e desapaixonada, o papel histórico desta Ordem Militar.

O Ordem Militar do Templo, fundada em França, na região de Champagne, no ano de 1120 no contexto da realização do Concílio de Naplus, é uma das mais conhecidas ordens militares da Europa Cristã medieval criada para proteger os movimentos de peregrinação aos Lugares Santos do Cristianismo no médio oriente sob ascendência crescente do poderio de confissão islâmica. As ordens militares nasceram no coração da Idade Média como uma versão especializada da experiência monástica cristã institucionalizada sob o nomenclatura institucional denominada de “Ordens”, cuja Proto-Ordem europeia mais famosa e mãe de todas as ordens ocidentais foi a Ordem de São Bento.

Os Templários nasceram primeiro na dependência dos Cónegos do Santo Sepúlcro, vindo rapidamente a autonomizar-s com a liderança do seu primeiro Grão Mestre, Huges de Payns. 

Os Templários, Freires de Cristo ou Freires do Templo de Salomão como também eram designados, associaram à sua consagração religiosa pela profissão dos conselhos evangélicos de Pobreza, Castidade e Obediência, o compromisso de entregar a sua vida em favor da proteção dos peregrinos e da defesa da Cristandade contra a ameaça do poder islâmico que afrontava os cristãos. A Ordem do Templo, ao lado de outras ordens militares como a de Santiago, a de Calatrava, a do Hospital e a de Avis, cooperava com os exércitos dos reis e senhores cristãos nas cruzadas contra o chamado “Infiel” tanto no Médio Oriente e como na Península Ibérica, procurando reconquistar os territórios de antigo domínio cristão, entretanto conquistados pelos muçulmanos.

Estas ordens militares funcionavam como uma espécie de tropa de elite bem treinada e altamente motivada, cuja participação nas batalhas decidia muitas vezes o sentido da vitória.

O serviço prestado por estas instituições aos monarcas cristãs, com especial destaque para a Ordem do Templo, foi largamente recompensado com a atribuição de bens, nomeadamente terras, castelos e outras regalias, que as tornaram poderosas e influentes. Em Portugal, além do papel fundamental desempenhado pela Ordem do Templo, ao lado das suas congéneres, na reconquista cristã e, por consequência, na formação de Portugal, teve um papel relevante no povoamento e controlo do território conquistado ao Mouro.

Devido a vicissitudes várias e a fatores que ainda hoje carecem de explicação cabal, a Ordem do Templo foi, há sete séculos, depois de quase duzentos anos de existência, submetida a um processo trágico que levou à sua extinção. Semelhanças houve com o que viria acontecer, mais tarde, com a expulsão da Companhia de Jesus de Portugal pela mão de Pombal, e noutras monarquias europeias no século XVIII, acabando com a sua extinção universal em 1773 pelo papa Clemente XIV.

O processo antitemplário foi liderado pelo Rei de França, Filipe, o Belo, que conseguiu a conivência do Papa de então, Clemente V, para considerar a Ordem do Templo culpada de desvios e faltas graves. De tal modo que o monarca francês logrou, embora hoje sem sabermos com certeza se com provas justas, obter do Papa a extinção desta Ordem e até a condenação das suas mais importantes lideranças, culminando com a morte na fogueira do seu último Grão-Mestre, Jacques de Molay, em 1314. Mas o processo tinha começada em 1308 com uma bula papal enviada aos príncipes cristãos para clarificar a situação dos Templários e declarar a necessidade da sua extinção, seguida de outra bula, emitida em 1309, a ordenar a prisão dos Freires de Cristo e, finalmente, da bula Ad Providum, de março de 1312, a decretar a anexação dos significativos bens desta Ordem e a transferi-los para a posse da Ordem do Hospital.

No entanto, D. Dinis, que então presidia ao trono de Portugal, resistiu a aceitar a diretiva papal que mandava extinguir a Ordem do Templo, consciente do relevantíssimo serviço que tinha prestado e continuava a prestar na defesa e povoamento do território português. Através de uma ação diplomática bem sucedida conseguiu obter do Papa uma solução para acatar a extinção, não extinguindo de facto esta Ordem de elite, cuja dispensa não convinha à estratégia política do Reino de Portugal. A solução passou por comutar o nome. Mantiveram-se os mesmos efetivos, os mesmos bens e a estrutura organizativa, mas mudou-se o nome da Ordem. A Ordem passou a chamar-se Ordem de Cristo. Assim, com esta jogada de diplomacia, D. Dinis salvou os Templários que passaram a ser integrados na Ordem de Cristo, no fundo, o nome novo da Ordem do Tempo ou dos Cavaleiros de Cristo.

Sabemos hoje quão importante e decisivo foi este empenho político de D. Dinis em evitar a extinção dos Templários em Portugal. Mais tarde, a sucedânea Ordem de Cristo liderará a promoção de uma das empresas mais importantes e significativas de toda a História de Portugal: as viagens marítimas de descobrimento. Através da liderança de um dos mais famosos Grão Mestres da Ordem de Cristo, o Infante D. Henrique, Portugal ficou na história universal como o primeiro império global da humanidade e o pioneiro da construção da globalização.

A Ordem de Cristo tutelou, no século XV, todo o processo de descobrimento de novos caminhos marítimos e de novos territórios e povos desconhecidos oficialmente, como consequência da política expansionista extraeuropeia promovida pela Dinastia de Avis fundada pelo Rei D. João I. Depois da conquista de Ceuta em 1415, o primeiro território descoberto oficialmente no Atlântico foi o Arquipélago da Madeira em 1419/20, ao qual sucedeu uma série de viagens que culminaram com a navegação de toda a costa africana, a passagem do temível Cabo das Tormentas, a chegada à índia por via marítima (1498) e a descoberta oficial do Brasil em 1500.

Estas viagens permitiram estabelecer a primeira grande rede imperial moderna sob domínio português em concorrência com aquilo que empreendia Espanha. Esta concorrência foi regulamentada sob os auspícios da Santa Sé e consagrada no Tratado de Tordesilhas em 1494  com a divisão do mundo em duas partes, à luz da teoria do Mare Clausum,  de forma a conciliar as duas monarquias cristãs no que respeitava à superintendência dos territórios descobertos e a descobrir por estas duas grandes potências europeias.

O ideal de universalização do Cristianismo teve sempre na base motivadora e legitimadora fundamental, dita pelos documentos, de todo este processo de expansão terrestre e marítima. A construção do império era acompanhado, como sabemos, pela concomitante edificação das bases da Igreja Católica nos novos mundos descobertos através da ação dos missionários de várias ordens.

A Ordem de Cristo ficou durante muitos anos com a tutela deste processo de edificação da Igreja nos novos territórios, tendo sido a Madeira erguida como primeira grande rampa de lançamento desta política expansionista. De tal modo, que em 1514 se edificou a primeira diocese bem sucedida em território ultramarino sob domínio português: a Diocese do Funchal. Esta que foi a maior diocese do mundo aquando da sua criação e durante poucas décadas, dependia da Ordem de Cristo e detinha jurisdição sobre todos os territórios descobertos e a descobrir, isto é, envolvia três continentes.

Assinalamos, pois, entre este ano de 2012 e o ano de 2014 um ciclo de acontecimentos da maior relevância para a história portuguesa e para o processo de universalização do Cristianismo, ao qual a medieval e polémica Ordem do Templo está umbilicalmente ligada.


José Eduardo Franco, Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

A estética cognitiva, sensório-perceptiva e emocional...

"No pudico silêncio do teu ânimo educa a verdade triunfante, projecta-a na beleza a partir de ti próprio, de tal modo que não seja só o pensamento a prestar-lhe homenagem, mas que sejam também os sentidos a apreender com amor a sua manifestação." - Christoph Friedrich Schiller.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Mulher e trabalho: Carreira ou filhos?

Favorecer a missão da mulher na família é remédio para a sociedade 
e lucro para o Estado

ROMA, quinta-feira, 08 de março de 2012 (ZENIT.org) - Vivemos hoje em uma sociedade onde uma determinada cultura procura destacar-se de Deus, cancelar todos os valores que são a vida, o compromisso, a fidelidade, a atenção ao outro e que a mulher sempre transmitiu para a família porque é intrínseca na sua feminilidade.Fazendo acreditar que a própria realização da mulher esteja fora do âmbito familiar, em outros campos, propondo tudo como uma conquista, uma libertação, uma meta de felicidade garantida.

Segunda esta ‘visão’ a ‘vocação para a família’, o ocupar-se principalmente do marido e dos filhos, parece ser coisa de outros tempos, quase impensável e considerada até frustrante por muitas mulheres.

Sendo a família a célula da sociedade, é nela que nascem os futuros cidadãos e então não é possível delegar a tarefa de crescer e educar os filhos somente às escolas, instituições, à paróquia.

Isto foi evidenciado também pela Igreja: a mulher deve ser presente ativamente e com firmeza na família (...) pois é ali, sobretudo, que se forma a face de um povo, é ali que seus membros adquirem os ensinamentos fundamentais. Estes aprendem a amar enquanto são amados gratuitamente, aprendem a respeitar qualquer pessoa enquanto são respeitadas, aprendem a conhecer a face de Deus enquanto recebem a primeira revelação pelo pai ou pela mãe cheios de atenção (Carta dos bispos sobre a colaboração do homem e da mulher na Igreja e no mundo).

A importância e o peso do trabalho da mulher dentro do núcleo familiar devem ser reconhecidos e valorizados. João Paulo II escrevia que o “cansaço” da mulher que dá a luz a um filho e depois o alimenta, cuida, trata do seu crescimento e educação – particularmente nos primeiros anos de vida – é tão grande que não deve causar medo no confronto com nenhum trabalho profissional (cfr Carta às famílias).

Este pensamento, infelizmente é muito distante daquele que prevalece hoje. Um certo feminismo, procura tornar a mulher sempre mais parecida com o homem, colocando-a em competição nas fábricas, escritórios, na política, nas instituições, “distorcendo-a” e levando-a a negligenciar os filhos.

Presumem que as crianças existam, pois muitas vezes a mulher em carreira "escolhe" não ter filhos, porque são vistos como um impedimento para o melhor desempenho do seu trabalho ou como um ônus a mais. Ou em um determinado momento, na altura em que a juventude deixou caminho a uma idade mais madura, se deseja um filho a qualquer custo. Sim, aquele filho que por muitos anos tentou evitar, agora o deseja, quase "por encomenda", sem perceber que é na verdade um grande dom de Deus, para pedir e proteger. E para acolher quando Deus quiser conceder-lhe.

É bom que a mulher trabalhe, contribuindo para o sustento famíliar e para o desenvolvimento da sociedade. A Igreja aprecia que esta tenha acesso a posições de responsabilidade, a fim de promover o bem comum e encontrar soluções inovadoras para os diversos problemas sócio-económicos.

O problema é que a atividade externa absorve muito do seu tempo e energia, tanto física quanto mental, tornando a mulher quase incapaz de responder plenamente à vocação de esposa, de mãe e de desempenhar adequadamente todas as tarefas a ela relacionadas.

Edith Stein, também conhecida como Santa Teresa Benedita da Cruz, escreveu que muitas mulheres são quase esmagadas sob o duplo fardo das obrigações do trabalho e da família. Sempre em ação, com pressa, sempre nervosa e irritada. De onde se pode tirar a serenidade e a alegria interior para oferecer a todos o sustento, o apoio, a direção?

E as conseqüências de tudo isso são as pequenas brigas diárias, as discussões com o marido e os filhos, que muitas vezes quebram a tranquilidade, a paz e a harmonia que deveria reinar entre as quatro paredes domésticas. É um erro pensar que podemos realizar melhorias na sociedade sem primeiro amar, sem ser atento e saber como sacrificar-se por aqueles que vivem ao nosso lado. Neste caso, a mulher não pode sentir-se realizada ou feliz, mesmo havendo um ótimo trabalho.

É por isso que a Igreja insiste em que a legislação e as organizações de trabalho não penalizem as exigências relativas à missão da mulher na família. E este é um problema não apenas e não tanto jurídico ou econômico, mas acima de tudo, é uma maneira errada de pensar, é um problema cultural.

Deve, assim, explorar adequadamente, primeiramente a nível de mentalidade, o trabalho das mulheres na família. Se não for assim, a mulher que dedica seu tempo em casa sempre será sempre penalizada do ponto de vista econômico e considerada, de certo modo, inferior àquela que em vez disso tem um emprego externo.

É necessário uma "mudança de pensamento" para ajudar as mulheres que querem desenvolver outros trabalhos, se a legislação proporcionasse horários mais acessíveis e compatíveis com a vida familiar. Seriam reduzidas as situações estressantes e fomentada a possibilidade de desempenhar o papel principal de esposa e mãe. Papel que é realmente insubstituível. Não se pode acreditar que é possível realizar essa tarefa dando às crianças dinheiro, presentes e tudo que for pedido, pois vai chegar o dia em que eles vão dizer que para eles não foi feito nada.

Muitas vezes os jovens de hoje se sentem vazios, sozinhos, mesmo tendo "tudo", falta a certeza de serem amados, a sensação de estarem realmente no centro da atenção dos pais, especialmente da mãe, porque ninguém pode tomar o lugar da mãe.

Crescerá madura e sem complexos aquela criança que tenha conhecido o calor dos braços de sua mãe. Nenhum psicólogo pode substituir o trabalho do coração de uma mãe que bate sobre o de seu filho.


Por Irmã M. Caterina Gatti ICMS

(tradução:MEM)


terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Paciência - Hospitalidade - Responsabilidade

Por Isabel Baptista
Universidade Portucalense

Desafiada por mais de uma vez a escrever umas linhas para a Página, chego de novo à data limite sem o texto prometido. Não sei bem porquê, mas por mais que corra o tempo nunca me chega. Foi, pois, sobre esta aflitiva falta de tempo que resolvi escrever. Mais do que a aproximação das férias, mais do que a antecipação do gozo dessas horas de liberdade em que, finalmente, vamos ter tempo, interessa-me reflectir sobre o sentido, ou ausência dele, desta corrida diária contra o tempo.


Vivemos na era tecnológica, a Internet permite-nos o acesso quase instantâneo à informação mais longínqua e de dia para dia tudo parece ficar mais perto e mais fácil. Dispomos de aparelhos ultra sofisticados, deslocamo-nos com maior velocidade e até temostelevisão em movimento. Continuamos, apesar disso, cheios de pressa e ficamos furiosos quando alguém nos deixa pendurado, à espera. As horas mortas enchem-nos de pânico, por isso recorremos a pequenos truques para entreter o tempo. Porque o tempo entretido custa menos a passar ... E quando o vazio dessas horas se torna insuportável, podemos sempre adormecê-las, ou afogá-las.

Há também horas felizes. Foi numa delas que, a propósito de uma comemoração de vinte anos de curso, reencontrei há dias alguns dos rapazes e das raparigas do meu tempo. Porque na verdade o tempo a que chamamos nosso é o tempo da juventude, o tempo do sonho e da generosidade. O tempo em que acreditamos nas infinitas possibilidades dos amanhãs ainda distantes.


Estes encontros revivalistas são cada vez mais comuns, e ainda bem. Nostalgia relativamente ao que fomos ou ao que nunca chegamos a ser? Falta-nos tempo para nos pormos em questão, para nos interrogarmos. E sem interrogação não há abertura ao infinito ilimitado do tempo. Como sublinha Emmanuel Levinas, as recordações, à procura do tempo perdido, proporcionam sonhos, mas não devolvem as ocasiões perdidas. A verdadeira temporalidade, aquela em que o definitivo não é definitivo, supõe a possibilidade, não de recuperar tudo o que se teria podido ser, mas de deixar de lamentar as ocasiões perdidas perante o infinito ilimitado do tempo. Não se trata de comprazer-se num qualquer romantismo dos possíveis, mas de escapar à esmagadora responsabilidade da existência que se transforma em destino, de voltar atrás na aventura da existência para ser no infinito. Inspirando-se na experiência biológica, mas indo para além dela, este filósofo recorre à noção de fecundidade para descrever a relação do homem com a temporalidade. Na paternidade vive-se a espantosa experiência de relação com outra vida, com outra história, simultaneamente nossa e radicalmente outra. O que define o modo de ser humano no mundo prende-se com essa capacidade de relação com o que nos transcende e nos impele a ir sempre mais além. A verdade do tempo não cabe nos relógios nem nos calendários. Não é redutível à linearidade de instantes equivalentes entre si e totalmente mensuráveis. O essencial do tempo reside na possibilidade de ruptura e de recomeço que a ideia de fecundidade representa.


Só que esta abertura à juventude do tempo exige, por parte consciência, paciência hospitalidade. Paciência porque é preciso darmo-nos tempo para amarmos a vida com tudo o que ela oferece em termos de fruição. É preciso tempo para preguiçar ao sol, para apreciar a boa comida, para gozar um bom livro, para ter a conversa em dia e para saborear, no infinito de cada instante, a ternura dos pequenos gestos. É preciso tempo para partir à descoberta da cidade e enamorarmo-nos dela com a emoção de um primeiro encontro. Eu que vivo há mais de duas décadas nesta cidade, e que julgo amá-la profundamente, fui noutro dia confrontada com a minha ignorância quando pretendia exibir a cidade a uns amigos de fora.

Hospitalidade porque é preciso que a consciência se abra para deixar entrar, para deixar-se ensinar permanentemente. É preciso que a consciência se disponha a acolher a interpelação do tempo, arriscando o seu sossego e a sua comodidade. Sacrificando a segurança dos dias repetidos mas vivendo, em contrapartida, a relação com o diferente como desejo, descoberta, e reinvenção de si. Não é este afinal o sentido de toda aventura educativa?

Ligada à paciência e à hospitalidade, assim definidas, a necessidade de dar tempo ao tempo não significa quietude mas inquietude. No acolhimento da interpelação do tempo está em causa a ruptura com a rotina e com o egoísmo, dimensões que nos envelhecem e empobrecem a vida. Uma interpelação por vezes terrivelmente incómoda que nos é dirigida por rostos marcados pela dor, pela fome e pela violência. Rostos sem brilho de gente demasiado ferida na sua alma, na sua carne, na sua humanidade. Daí que a hospitalidade, enquanto experiência de abertura e de acolhimento, constitua o primeiro movimento em direcção ao compromisso. Um movimento que permite passar do eu sou, celebrado desde sempre pela tradição ocidental, para o eis-me aqui próprio da responsabilidade, como salienta Levinas em toda a sua obra.


A responsabilidade é sem dúvida uma palavra chave nos tempos que vivemos. Tempos incertos, feitos de privação, de sofrimento e de indiferença. Tempos que nos obrigam a pensar e a agir para lá da esfera das nossas necessidades e dos nossos interesses. Feitos também de esperança e de coragem. É preciso, pois, que as consciências se deixem afectar profundamente pelo espírito do tempo. Com paciência, hospitalidade e responsabilidade. Com capacidade de desprendimento em relação às formas mais sedentárias da existência, de desprendimento em relação aos pequenos afazeres que atravacam os nossos dias e estreitam os nossos horizontes. A juventude realiza-se como amor à vida e como atenção ao mundo e aos outros. Realiza-se na vontade de fazer a diferença, recusando chamar horas mortas a essas horas em que não nos resta mais do que olhar, escutar, ver e sentir. E se tivermos de correr que seja a favor do tempo. Porque a vida é curta e o tempo não perdoa.